Dez e trinta da noite e a solidão da luz é como um oco. Um espaço vazio sem bordas e sem fundo. Um vazio sem sentido, cheio de um sombrio volume. O nada.
Disseram que um homen saiu pelos mercados procurando Deus. Mas ele não o encontrou. Um dia depois ele saiu gritando pelas ruas: “Deus morreu! Deus morreu”. De noite estava muito cansado. Parecia que um peso descomunal o pressionava de dentro para fora querendo estilhaçar o seu corpo. Era a escuridão, a falta de sentido existencial.
No terceiro dia esse mesmo homem, debruçado em cima da pequena mesa da sala, escreveu em seu velho caderno de anotações: “Estamos sozinhos neste mundo. Só e sem Deus. Órfãos. Não existe consolo e nem eternidade. A luz que enche o dia é tudo – o sol.” Fechou o caderno, saiu no quintal e deu um grito como um louco: “Liberdade!!!”.
Os vizinhos acharam aquilo muito estranho, embora já estivessem acostumados com suas maneiras estranhas. O homem não era um louco, nem visionário e nem um profeta da morte de Deus. Ele sempre procurou a liberdade de uma mentalidade obscura e facilitadora. Agora ele era livre. Livre de um mundo cheio de amarras, como de um pensamento estreito cheio de fascínio e mistério. Ele estava cansado dos mistérios e da escuridão.
A “era da luz” trouxe muitas novidades, entre elas a liberdade diante de tudo e diante de Deus. As pessoas querem ser livres e procuram a liberdade. Atualmente traduzimos isso com a expressão: “todo mundo merece ser feliz”. Os momentos difíceis são evitados ou esquecidos. A dor e o sofrimento não deveriam existir depois da época da iluminação. Apenas a felicidade e o gozo de um dia de sol. Antes disso as pessoas estavam acostumadas com os “vãos da existência”. Aqueles vazios de palavras, de consolo, de desejo e de presença, de tristeza, de felicidade e de amor etc. Mas agora parece que isso não deveria fazer parte da vida. A busca de felicidade é tudo como se a luz que enche o dia, o sol, fosse tudo.
Dez e trinta da noite todo mundo merece ser feliz. A felicidade e a liberdade dependem de um coração. De um coração que saiba temperar a escuridão e a luz. Viver só na luz ninguém poderia e nem conseguiria. Viver dos trechos de claridade e penumbra é um talento. Deus não morreu. O que morreu foi um pensamento sobre Deus que aprisionava e afastava as pessoas dele. O que morreu foi o “nada”, a escuridão. E isso também nos afastou de Deus, porque nos afastou de nós mesmos. Vivemos na época da solidão da luz.
Ronaldo Sérgio