Tempo esquecido!

Acordei assustado com o motorista me chamando e dizendo: “hei, hei, já chegamos”. Levantei-me apressado da minha poltrona. Olhei ao redor, o ônibus estava vazio. Que pressentimento estranho eu tive. Parecia medo e ao mesmo tempo culpa. Recordei-me as palavras da minha mãe que sempre me dizia: “tome cuidado para não dormir no ônibus e ir parar em outro lugar”.

Olhei lá fora e vi que estávamos em Itajubá, na rodoviária. Poucas pessoas estavam sentadas nuns bancos antigos do século passado, que conversavam entre si. Vesti minha blusa vermelha, peguei minha bolsa e desci do ônibus. Fui direto a um bar, pois estava com fome. Até então nunca tinha sido o último a descer de um ônibus.

Era muito cedo e ali ainda não havia nada para comer. Chips eu não queria e nem refrigerante. Esperei sentado à mesa, porque o dono do bar começara a fritar alguns pastéis de carne e a fazer um café novo. O cheiro que vinha da pequena cozinha aumentava a minha fome.

Enquanto esperava, entrou um senhor no bar. Cumprimentou o dono e olhou de um lado e do outro mascando um palito de dente. Era um taxista que passara a noite inteira sentado em seu carro aguardando pelos cliente, mas ninguém apareceu. Foi até a porta, esperou um pouco e depois pediu um copo de café, comeu dois pastéis de carne rapidinho e saiu sem dizer nada. Parecia bastante cansado.

Estava quieto, sentado a mesa, comendo meus pastéis e bebendo meu café com leite, quando percebi que o ônibus, que me levaria pra casa, estava partindo. “Perdi o ônibus”, pensei e, num estalo repentino, larguei meu pastel, meu copo de café com leite, peguei minha bolsa e saí correndo. Corria atrás do ônibus gritando como um louco e, no mesmo instante, o dono do bar também começou a gritar e a correr atrás de mim exigindo que eu pagasse a conta. No susto que levei, vendo o ônibus me deixar ali, nem pensei em conta.

Mas, desta vez, era tarde demais. O motorista não pode me ouvir. Também, com os ônibus modernos de hoje em dia, com ar condicionado e com todas a janelas bom fechadas, seria impossível que ele me ouvisse. Sumiu virando a esquina e acelerando. O ronco do motor ficou uns dias ecoando em minha memória.

Coisa mais chata não existe do que ter que correr atrás de um ônibus gritanto: “espera, espera, espera”. Os que estavam na rodoviária tentavam disfarçar que tinham visto minha luta e que tinham ouvido meus gritos. Faziam de conta que não conheciam meu timbre de voz, minha maneira de gritar e correr, meu esbaforido momento de desorientação. Quando voltava ao bar parecia que os olhares diziam: “coitadinho dele”, “que azar”. Como posso ter esquecido o tempo? Perguntei-me.

Ao menos, alguém ficou aliviado com tudo isso. O dono do bar, que seria pago pelos seus serviços. Tomei o meu café, que já estava um pouco frio e comi o último pastel que restava. Para a alegria do dono, paguei a conta como deveria e saí. Fui ao guichê da Gardênia e comprei uma outra passagem. Deveria esperar duas horas pelo próximo ônibus. Sentei-me nos bancos do século passado, abri meu romance Ana Karenina de Tolstoy e deixei o tempo correr.

Ronaldo Sérgio

2 comentários em “Tempo esquecido!

  1. Rogério disse:

    Olá Ronaldo, tudo bem? Conheço bem esta rodoviária hein, rs. abração.

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